domingo, 30 de outubro de 2011

30 livros em um mês - dia 17

"Um livro que é um prazer culpado".
...demorei, procrastinei, enrolei, atrasei... e nem sei exatamente o motivo. Como de hábito quando atraso, passeei mentalmente por vários livros: um que era um prazer culpado porque o roubei numa feira de livros na escola - era o último dia, eu não tinha levado dinheiro, não consegui emprestado e... fiquei tão culpada que depois de acabar de ler escondi numa estante lá no fundo, pra nem ver o livro. Outro que era (é) um prazer culpado porque é um livro mal escrito. E disso tenho certa vergonha de gostar: mas gosto, fazer o que. 

Acabei parando n'"O Cortiço", de Aluísio Azevedo: uns 14 anos, férias na praia com tia Sônia, tio Antoninho e o bando (dez ou em torno disso) de crianças e adolescentes que eles carregavam pra "veranear". Casa sem nenhum luxo, todo mundo em colchões no chão e um permanente divertimento. Na casa ao lado, a família de Pelópidas da Silveira e meu primo cantando prá filha dele, Taís: "Taís, eu fiz tudo pra você gostar de mim"...

Nesse verão aí, Tia Sônia tava lendo O Cortiço e afirmou, em dado momento: "não é pra vocês". Disse e, claro, largou o livro por aí. E a gente leu, como não... Leu e amou... culpadamente. Rita Baiana, a brasileira, encantando com sua dança o português Jerônimo. Jerônimo e sua mulher portuguesa, de quem ele não gostava mais nem do cheiro (e isso muito me impressionou). Jerônimo que vai deixando seus hábitos "portugueses", de homem sério e trabalhador, e vai incorporando os "brasileiros", a preguiça, o prazer pela vida, e vai se enredando progressivamente na teia de Rita Baiana, num misto de fascinação e repugnância, inexoravelmente.

Um livro que fala de contágios e de transformações. De gente que era e que não é mais.De contatos, de peles, de fluidos. Um livro escancarado que a adolescente que eu era sorvia a largas páginas, antes que. Vai que tia Sônia de fato proibisse. 

E, de todas as personagens, a que mais me fascinava era Pombinha, santa, pura, virgem, cuja madrinha "de vida fácil" aproveita-se de sua inocência e, aos poucos, vai transformando-a no que ela está fadada a ser. Pombinha, moça fina e pálida, e seu encontro, a um só tempo assustador e maravilhoso, com essa mulher mais velha, excessivamente maquiada, excessivamente perfumada. E ela nunca mais será a mesma. O livro descreve a incompreensão da moça, seu susto, e os olhos lúbricos da madrinha, atraindo-a, desejando-a, seduzindo-a para finalmente devorá-la qual aranha determinada.
Submundo. 
Submundo que traga e tritura, que suga e transmuta. Uma alegoria da chegada de Perséfone ao Hades. Uma alegoria de Escorpião, o signo da morte e do renascimento.
Imaginem.Eu nunca tinha lido nada parecido.
E nunca reli "O Cortiço": o que conto aqui é o que lembro dessa leitura pretensamente escondida, na casa de praia em Pau Amarelo, compartilhada com primos. Leitura de areia, sol, jangada, colchões no chão e muita risada.

6 comentários:

  1. Deu vontade de ler de novo. Belas lembranças. Abraço!

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  2. Eu gosto muito do Cortiço e você me pegou pelo pé, gosto mais dos personagens.

    Mas conta pra nós, vai, qual é o mau escrito?

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    1. aqui, em português agora.... http://pt.shvoong.com/books/romance/1821606-valsa-lenta-em-cedar-bend/

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  3. Acompanhei e adorei sua série. Também li O Cortiço na adolescência, a mando da escola e, pelas mesmas razões que as suas, adorei. Nunca mais o reli, mas ele ficou como uma das poucas boas lembranças de minhas leituras escolares.
    bjs

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  4. Diego, obrigada pelo comentário. Eu sempre gosto - desde que comecei esta série - de quando me dizem "deu vontade de ler de novo"...
    Lu Nepomuceno, o livro de que eu tenho vergonha de gostar por ser mal escrito é esse aqui, destruído nessa engraçada resenha em inglês(com a qual concordo em larga medida): http://www.ew.com/ew/article/0,,308433,00.html
    E, Lu Conti, adorei sua visita por aqui... passe mais vezes! =)
    Bjs

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